"Se encontrasse alguém capaz de me compreender, de me dar ternura, afecto, antes de mais e de uma forma completa..."
Urbano Tavares Rodrigues
A corda mais sensível dum violino é tanto mais sensível quando maior for a impressionabilidade afectiva de quem lhe arranca os efeitos.
Serei eu egoísta? Talvez. Tenho de o ser. Quando busco o meu quinhão e o alcanço, jamais poderei dividi-lo. Por isso sofro sozinha, sem dividir o sofrimento. No aspecto do exclusivíssimo, creio que ultrapasso tudo. Sou assim uma espécie de pára-raios isolada em cima de uma única casa, à espera de atrair todos os raios do mundo.
É demasiado pretender-se que a pessoa que amamos acorde para a sua própria realidade, sem sermos nós a acordá-la, porque não podemos, porque não somos capazes, porque não nos compete a nós?
No amor, há um centro de vida, não há subúrbios. Sim, as minhas exigências, sempre as minhas exigências. E por que não? Que vale, afinal, o nosso mundo? Os nossos amigos, o nosso universo, se não nos individualizarmos?
Mas tu chegas, integras-te no grupo e, de repente, já não és de ninguém, és de todos. De todos ao mesmo tempo. De mim e dos outros. Ou dos outros e de mim.
E depois, lentamente, sem sobressaltos, como um filme projectado do fim para o princípio, tudo pudesse adquirir, numa repetição ainda mais completa, a finalidade do amor mais puro e também mais objectivo. Sem pressa de chegar.
Sem pressas de partir. De forma a partirmos e chegarmos ao mesmo tempo. Os dois, deslumbrados e não um só. Só um de nós deslumbrado é tão pouco, é tão inconsciente, é tão vazio...
E nada é possível como substituto do amor verdadeiro, que nasce no corpo, como corpo e pelo corpo. Para a realização total do amor é imprescendível estar duplamente vivo e desperto. Para amar profundamente, a única forma de o fazer é com tranquilidade e com consciência. Hoje, todos procuramos atingir a sublimação a jacto. E a jacto já não há amor, há pressa. Nada é grande, nada é perfeito que não gere amor, que nasça por ele e para ele. Eis o meu handicap. Doloroso.
E o acto de amar é a maior força da natureza, creiam. Nada se cria, nada se transforma, tudo se perde, Daí a razão porque o amor ultrapassa todos os inventos, todos os descobrimentos, a desintegração do átomo, a conquista do espaço. Porque quem não amar totalmente não conquista nem descobre coisa alguma. Tudo gira à volta do sol. Trabalha-se para o amor, vive-se e morre-se pelo amor. Escreve-se, pinta-se, compõe-se, constrói-se, destrói-se. Para o amor.
A posse deve ser longa, deve ser romance, deve ter um príncipe e um meio para que se possa, veladamente, disfarçadamente, abdicar de um fim. Embora esse fim exista. Não como fim, mas como ligação para outros novos começos.
Lembro-me da primeira noite. Era a segunda do ano. Envolveste-me, apertáste-me com lentidão. Mais uma fúria muito terna. Dessas fúrias que eu gosto. Que dá tempo para sentir. Estavas mais longe deles. Mas tão perto de mim que dir-se-ia que estavas dentro de mim.
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